Legados de resiliência e coragem - 12 mulheres que revolucionaram a história feminista presentes no nosso planner 2025.
setembro 11, 2024Produtos criados e vendidos em www.artedemaria.com
Legados de resiliência e coragem - 12 mulheres que revolucionaram a história feminista presentes no nosso planner 2025.
Descubra o Planner Artesanal e Representativo 2025 – uma verdadeira celebração da força feminina! Este planner não é apenas uma ferramenta de organização, mas uma homenagem a 12 mulheres incríveis que mudaram a história e inspiraram gerações.
A cada mês, você encontrará a biografia de uma revolucionária, acompanhada de ilustrações belíssimas. Com espaço para anotações importantes, reflexões mensais e metas, este planner é um convite à auto-reflexão e ao empoderamento.
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Entre as 12 mulheres representadas, encontramos verdadeiras transgressoras que quebraram barreiras e abriram caminhos para um futuro mais inclusivo. Mulher indígena, trans, negras e pessoa com deficiência estão entre as protagonistas dessa jornada inspiradora.
Entre as 12 mulheres representadas, encontramos verdadeiras transgressoras que quebraram barreiras e abriram caminhos para um futuro mais inclusivo. Mulher indígena, trans, negras e pessoa com deficiência estão entre as protagonistas dessa jornada inspiradora.
Janeiro - Enedina Alves
Enedina Alves arte @mariarosa.art |
Enedina Alves Marques nasceu em 13 de janeiro de 1913, em Curitiba, filha de um lavrador e uma empregada doméstica. Desde jovem, ajudava sua mãe nas tarefas na casa do Major Delegado Domingos Nascimento Sobrinho, que teve a iniciativa de matriculá-la nas mesmas escolas que a sua filha. Aos 12 anos, já alfabetizada, ingressou no Instituto de Educação do Paraná em 1926, graduando-se professora em 1932 e lecionando no interior do estado.
Em 1940, matriculou-se em engenharia civil na Universidade Federal do Paraná, formando-se em 1945 como a primeira engenheira do país e primeira mulher negra a se graduar no estado do Paraná, ao lado de 32 estudantes do sexo masculino. Começou sua carreira como auxiliar de engenharia na Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas, sendo posteriormente transferida para a Secretaria de Estado de Águas e Energia Elétrica do Paraná.
Enedina se destacou em projetos como o Plano Hidrelétrico do Paraná, trabalhando no aproveitamento dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu. Contribuiu significativamente para o levantamento topográfico e a construção da Usina Capivari-Cachoeira, hoje conhecida como Usina Governador Pedro Viriato Parigot de Souza, em Antonina.
Durante sua carreira, enfrentou desafios marcados pelo preconceito racial e de gênero, inclusive precisando usar uma arma para exigir respeito enquanto comandava equipes de homens. Aposentou-se em 1962 e faleceu aos 68 anos, vítima de um ataque cardíaco em seu apartamento no centro de Curitiba, em 1981.
Enedina Alves Marques é lembrada por seu legado como pioneira na engenharia brasileira, sendo imortalizada no Memorial à Mulher e homenageada com o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques em Maringá. O Prêmio CREA-PR Engenheira Enedina Alves Marques foi criado para reconhecer e valorizar mulheres nas áreas de Engenharia, Agronomia e Geociências, celebrando sua coragem, determinação e contribuições fundamentais para a história do Brasil.
Fevereiro - Zeferina
Zeferina arte @mariarosa.art |
Zeferina, uma rainha negra e guerreira, teve sua história contada de geração em geração. Sua origem é desconhecida, mas acredita-se que ela tenha vindo de Angola para o Brasil ainda criança com sua mãe, Amália, no início do século XIX. Zeferina ficou conhecida como a rainha do quilombo Urubu, em Salvador, Bahia, liderando um grupo de cerca de 50 negros e indígenas em busca de libertação do seu povo, organizando-se segundo modelos de civilização africana.
Os ensinamentos ancestrais de sua mãe foram fundamentais para a administração política, cultural e de sustento do quilombo. Zeferina acreditava que a libertação dos negros em Salvador dependia da invasão da cidade e do combate aos brancos escravagistas. Ela planejou uma revolta para o dia 25 de dezembro de 1826, mas foi antecipada para o dia 17, quando os capitães do mato atacaram o quilombo de surpresa.
A resistência quilombola, armada com facas, arcos, flechas, facões e espingardas, matou três torturadores e feriu outros gravemente. Na fuga, os sobreviventes encontraram José Baltazar da Silveira e sua tropa, altamente armada e preparada. Zeferina, com seu arco e flecha, liderou corajosamente a defesa contra os soldados, que abriram fogo. Apesar da desigualdade, os quilombolas resistiram e entoaram o grito "Morra branco e viva negro!"
Após o conflito, quatro quilombolas foram mortos e vários, incluindo Zeferina, foram capturados. Humilhada, Zeferina foi levada ao centro de Salvador e assassinada no Forte do Mar. Sua determinação e fé nos saberes africanos inspiraram futuros levantes de resistência negra.
Hoje, a memória de Zeferina vive na Comunidade Guerreira Zeferina, no Parque São Bartolomeu. Esta comunidade, majoritariamente formada por mulheres negras, luta por dignidade e se inspira na coragem e no grito de liberdade de Zeferina.
Março- Rosa Luxemburgo
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Rosa Luxemburgo, nascida em 5 de março de 1871 na Polônia sob domínio czarista, enfrentou desde cedo a opressão de um regime autoritário, com negação de direitos básicos e ataques antissemitas. Ainda jovem, se juntou ao Proletariat, uma organização socialista, e devido às atividades clandestinas, precisou se mudar para Zurique, onde completou seu doutorado na Universidade de Zurique com a tese “O Desenvolvimento Industrial da Polônia”. Nela, Rosa argumentou que o crescimento econômico polonês estava ligado à economia russa, e uma separação resultaria em retrocesso industrial.
Em maio de 1898, Luxemburgo mudou-se para Berlim em busca de maior influência para suas ideias marxistas. Ali, rapidamente se destacou ao se opor ao revisionismo de Eduard Bernstein, e entrou em contato com líderes importantes do SPD, como August Bebel e Karl Liebknecht. Rosa se tornou uma respeitada pensadora marxista, contribuindo significativamente para os debates sobre a questão nacional e o imperialismo.
Entre suas obras mais importantes estão "Reforma Social ou Revolução", "Acumulação do Capital", "Greve de Massas, Partidos e Sindicatos" e "A Revolução Russa". Nesta última, ela fez uma análise crítica da Revolução de Outubro e da organização partidária, prevendo futuros desdobramentos na União Soviética, especialmente sob o stalinismo. Luxemburgo também defendia incondicionalmente a democracia, acreditando que a mudança revolucionária só seria possível com a participação ativa do povo, ideias que formaram a base do "luxemburguismo".
No início do século XX, Luxemburgo fez discursos profundamente antimilitaristas em congressos da Internacional Socialista. Junto com Lênin e Martov, apresentou uma emenda que enfatizava a responsabilidade da classe trabalhadora em evitar a guerra e, caso esta ocorresse, intervir para encerrá-la rapidamente e mobilizar o povo contra a dominação capitalista.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Rosa se posicionou contra a participação da Alemanha no conflito, resultando em sua prisão em 1915. Libertada após a guerra, continuou sendo perseguida. Em 1919, durante a Revolução Alemã, ela e Karl Liebknecht lideraram a Liga Spartakus em uma tentativa de insurreição, que culminou em sua captura e assassinato por milícias paramilitares com a conivência de membros do SPD.
Rosa Luxemburgo não viveu para completar 50 anos, mas seu legado como uma das mais influentes pensadoras marxistas permanece inabalável. Suas reflexões sobre a questão nacional, o imperialismo e a defesa da democracia revolucionária continuam a reverberar nos dias atuais. Em seu funeral, sua amiga Clara Zetkin prestou-lhe uma homenagem tocante, descrevendo-a como "a espada afiada, a chama vivente da revolução", sublinhando sua paixão inabalável pela causa socialista. Embora Luxemburgo não tenha teorizado diretamente sobre o feminismo, sua vida emancipada e seus escritos contra a opressão das mulheres trabalhadoras deixaram uma marca profunda, contribuindo significativamente para as discussões futuras do movimento feminista.
Abril - Na Agontime
Na Agontime arte @mariarosa.art |
Como kpojitó, ou rainha-mãe, Agontimé enfrentou dificuldades após a morte de Agonglo em 1797. O rei expressou o desejo de ser sucedido por Gapke, mas seu filho mais velho, Adandozan, assumiu o poder. Para evitar oposição, Adandozan vendeu Agontimé como escrava. A partir desse ponto, seu destino permanece envolto em mistério.
Existem relatos divergentes sobre seu exílio. Alguns sugerem que foi enviada para Cuba ou para o Nordeste Brasileiro, possivelmente acompanhada por sessenta e três serviçais. Outros afirmam que ela fundou a Casa das Minas em São Luís do Maranhão, onde se praticava o culto dos voduns da cultura fon. Após seu batismo no Brasil, passou a ser conhecida como Maria Jesuína. A Casa das Minas é o mais antigo centro religioso de ancestralidade africana conhecido no Maranhão. O nome “Minas” refere-se aos negros minas ou minas-jêje, originários da atual Gana e Benin na África Ocidental.
Agontimé era sacerdotisa, dedicada ao culto da divindade Zomadônu, um nobre e poderoso vodun de origem fon da casa real de Davice. A própria D. Deni de Tói Lepon (1926-2015), uma das últimas vodúnsis, mencionava a existência de uma escravizada africana chamada Nã Agontimé, ou Maria Jesuína.
Ghezo, ao depor Adandozan, tentou localizá-la nas Américas sem sucesso. O trono enviado por Adandozan ao Brasil em 1810, posteriormente destruído no incêndio do Museu Nacional em 2018, pode estar simbolicamente ligado à transferência de Agontimé para este lado do Atlântico.
A identidade de Agontimé e sua relação com o importante núcleo religioso no Maranhão foram inicialmente discutidas pelo pesquisador francês Pierre Verger em 1952. No entanto, muitos detalhes ainda permanecem obscuros devido à escassez de fontes disponíveis.
Maio - Tituba
Tituba bruxa de Salem arte @mariarosa.art |
Tituba, conhecida como a bruxa negra de Salém, era uma mulher nativa americana escravizada que vivia em Salem Village, Massachusetts, no final do século XVII. Apesar de ser amplamente reconhecida como a bruxa negra, há uma versão alternativa de sua história que sugere que ela era originalmente uma mulher indígena da aldeia Arawak na América do Sul. Segundo essa versão, Tituba foi capturada quando criança, levada para Barbados como cativa e posteriormente vendida como escrava. Existem também duas versões conflitantes sobre seu nascimento: uma afirma que nasceu na área que hoje é a Venezuela, em uma comunidade creole, enquanto outra indica que nasceu na ilha de Barbados. Contudo, não há registros detalhados sobre sua infância ou como foi escravizada.
Em 1692, Tituba trabalhava na casa do reverendo Samuel Parris, ajudando sua esposa e filhas. Em janeiro daquele ano, a filha de Samuel, Betty, e sua sobrinha, Abigail Williams, adoeceram misteriosamente. Um médico suspeitou de bruxaria e um membro da igreja instruiu Tituba a fazer um "bolo de bruxa" usando urina das meninas misturada com farinha de centeio, que foi dado ao cachorro. Após isso, as meninas acusaram Tituba de bruxaria.
Tituba foi interrogada por Samuel Parris e seus conselheiros, inicialmente negando as acusações. No entanto, após ser severamente punida por semanas, confessou a prática de bruxaria, o que teve graves consequências para a comunidade de Salem. Em 25 de fevereiro de 1692, Ann Putnam e Betty Hubbard também acusaram Tituba, junto com Sarah Good e Sarah Osborne, de usar magia para feri-las. No dia 29 de fevereiro, as três mulheres foram presas.
Em 1º de março, Tituba, Sarah Good e Sarah Osborne foram interrogadas pelos magistrados de Salem. Enquanto Sarah Good e Sarah Osborne negaram as acusações, Tituba confessou sob pressão, alegando que o diabo a havia abordado e que Sarah Good e Sarah Osborne usavam magia para machucar as meninas. Ela também mencionou a participação de outras pessoas desconhecidas de Boston.
Tituba, mostrando astúcia, conseguiu se colocar como vítima, afirmando que foi forçada a servir ao mal e que, arrependida, poderia ser salva. Isso convenceu muitos de sua inocência. Tituba ficou presa por 15 meses em Boston. Em maio de 1693, foi absolvida, mas em abril do mesmo ano foi vendida a um desconhecido e desapareceu dos registros históricos. Outras mulheres que negaram as acusações foram executadas.
Pesquisadores acreditam que Tituba confessou sob coação para evitar mais punições, dado seu status de mulher negra escravizada. Sua história mostra como o medo e o preconceito alimentaram as caças às bruxas de Salem, levando à condenação de muitas inocentes.
Junho - Mariana Crioula
Mariana Crioula arte @mariarosa.art |
Mariana Crioula é uma figura emblemática de resistência e coragem, simbolizando a luta contra a escravidão e pela liberdade no Brasil. Mulher negra brasileira, seu papel foi crucial na comunidade quilombola da região que hoje corresponde ao município de Vassouras, no estado do Rio de Janeiro.
Escravizada em Paty do Alferes, distrito de Vassouras, Mariana trabalhava como mucama e costureira para Francisca Xavier, proprietária de fazendas cafeeiras. Casada com José, também escravizado e trabalhador nas lavouras, Mariana residia na Casa Grande, enquanto José vivia na senzala. Sua história ressalta a importância das mulheres na organização e liderança de revoltas e quilombos.
Em 5 de novembro de 1838, Mariana se destacou como líder durante a insurreição de Paty do Alferes, conhecida como a Revolta de Manoel Congo. Junto com Manoel Congo e cerca de 300 escravizados, fugiu para formar um quilombo após matar um feitor e roubar ferramentas e mantimentos. Mariana se destacou como a "rainha" do quilombo, ao lado do "rei" Manoel Congo.
A Guarda Nacional mobilizou aproximadamente 160 homens para perseguir os insurretos. Em 11 de novembro de 1838, após uma perseguição, 20 escravizados foram mortos e 22 capturados, incluindo Mariana e Manoel Congo. Durante o confronto, Mariana resistiu bravamente, gritando: "Morrer sim, entregar não!". No julgamento, enquanto Manoel Congo foi condenado à execução, Mariana foi absolvida, pois os capturados não a reconheceram como líder.
Mariana Crioula foi oficialmente reconhecida como Heroína do Estado do Rio de Janeiro pela Lei nº 5.899, de 24 de fevereiro de 2011. Seu nome batiza o Espaço Criarte Mariana Crioula (ECMC), um núcleo do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), criado em 2008, que promove a educação popular na Ocupação Manuel Congo, com foco na formação política e social de crianças e jovens.
Outras homenagens incluem uma sala na Câmara Municipal de Vassouras, o filme "Ngangula, o Ferreiro de Paty" de Pedro Sol, e o documentário "Mariana Crioula – Um grito de resistência" de Ricardo Andrade Vassíllievitch. Ricardo também produziu as peças "A saga de Manuel Congo e Mariana Crioula, os heróis da resistência" e "Mariana Crioula, um grito de resistência".
Julho - Zacimba Gaba
Zacimba Gaba arte @mariarosa.art |
Zacimba Gaba foi uma princesa guerreira do reino de Cabinda, na Angola. Existem diferentes versões sobre o período em que viveu: uma afirma que foi no século XVII, enquanto outra sugere que foi no século XIX. Após a derrota de seu povo pelas tropas portuguesas, Zacimba foi capturada e enviada ao Brasil.
No Espírito Santo, ela foi vendida ao fazendeiro português José Trancoso. Mesmo em um contexto de escravidão, Zacimba, como princesa, impôs sua presença e, por isso, foi cruelmente castigada por se recusar a se submeter ao seu senhor. Apesar de sua condição, ela continuou a ser respeitada pelos seus súditos, também escravizados.
Trancoso submeteu Zacimba a longos interrogatórios, tentando fazê-la confessar seu poder e influência sobre seu povo. Após esses interrogatórios, ele a estuprou e a ameaçou de morte caso houvesse qualquer rebelião. A partir daí, Zacimba começou a ser torturada regularmente na Casa Grande, o que apenas aumentou seu desejo de libertação.
Uma arma comum utilizada pelos escravizados naquela época era o envenenamento com veneno de cobra. Esse veneno precisava ser administrado em pequenas doses ao longo do tempo, pois não causava efeito imediato. Conhecendo essa técnica e ciente de que seus súditos eram obrigados a provar a comida antes dos senhores, Zacimba cuidadosamente envenenou José Trancoso ao longo de anos, sem prejudicar seus irmãos de luta.
Com a morte de Trancoso, Zacimba liderou a invasão da Casa Grande pelos escravizados da fazenda. Todos os torturadores foram mortos, exceto a família do fazendeiro, que foi poupada. Zacimba então guiou seu povo e fundou um quilombo no norte do Espírito Santo, no local onde hoje é o município de Itaúnas.
Finalmente livres, tornaram-se grandes articuladores de revoltas pela liberdade, e o quilombo de Zacimba se tornou um ponto de referência para escravizados fugitivos. Ela passou o resto de sua vida liderando batalhas no porto de São Mateus, lutando pela libertação dos negros que chegavam nos navios negreiros. Após libertá-los, os navios eram destruídos.
Zacimba Gaba, a princesa guerreira, morreu em combate a bordo de um navio português, lutando pela libertação de seu povo cabindense.
Agosto - Waldirene
Waldirene arte @mariarosa.art |
Waldirene nasceu em 1945, no interior de São Paulo, e foi a primeira pessoa trans a realizar uma cirurgia de redesignação de sexo no Brasil, em 1971. Desde cedo, sua feminilidade a diferenciava de seus irmãos, e isso gerou conflitos familiares. Seu pai chegou a tentar tratá-la com hormônios masculinos, o que agravou a situação. Eventualmente, Waldirene decidiu se afastar da família e se mudou para uma cidade próxima, onde começou a trabalhar como manicure.
Na época, a cirurgia de redesignação só era disponível no exterior. Porém, o caso de Waldirene chamou a atenção de Roberto Farina, um médico pioneiro em cirurgias urogenitais, mas que nunca havia realizado uma cirurgia de mudança de sexo. Sem hesitar, Waldirene aceitou ser sua paciente. A cirurgia foi realizada no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, e foi um marco em sua vida. "Me pareceu ter criado asas novas para a vida", escreveu Waldirene na época.
Em 1976, o Ministério Público de São Paulo descobriu a intervenção médica e denunciou Farina por lesão corporal gravíssima. Durante a investigação, Waldirene foi localizada por causa de um processo em que ela tentava alterar seu nome nos documentos oficiais. Nesse momento, ela foi submetida a torturas físicas e psicológicas das quais nunca se recuperou totalmente. Waldirene foi levada à força ao Instituto Médico Legal para que fosse verificado se ela era mulher, um processo profundamente humilhante. No entanto, os médicos-legistas confirmaram sua identidade feminina.
Em 6 de setembro de 1978, Roberto Farina foi condenado a dois anos de reclusão por lesão corporal gravíssima em Waldirene. Ela, porém, saiu em defesa de Farina, a quem considerava seu "herói" e "segundo pai", recolhendo cartas de apoio em sua cidade natal. Um cartorário local e cerca de 350 pessoas se uniram em um abaixo-assinado para apoiar Farina. Em novembro de 1979, os desembargadores que julgaram o caso em segunda instância anularam sua condenação.
Ainda em 1979, uma lei foi estabelecida, permitindo a retirada de órgãos quando considerada necessária por parecer médico unânime e com o consentimento do paciente. Contudo, foi apenas em 1997 que o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou cirurgias de mudança de sexo em transexuais. A partir de 2008, a cirurgia foi incluída no Sistema Único de Saúde (SUS).
Waldirene perdeu o processo para alterar seus documentos e, para evitar constrangimentos, nunca exerceu a profissão de contadora, na qual havia se formado antes da cirurgia. Sua certidão de nascimento só foi alterada quando ela tinha 65 anos, em outubro de 2010, e o RG em janeiro de 2011, após uma nova batalha judicial. Humilhada na Justiça, na imprensa e em sua cidade, Waldirene passou a ter medo de sair de casa. Continuou a trabalhar como manicure para complementar sua aposentadoria de um salário mínimo. Não há registros recentes sobre sua vida, mas sabe-se que ela concedeu uma entrevista em 2018 para a BBC Brasil.
Waldirene foi uma pioneira e uma sobrevivente em um contexto social que a excluiu e negou a possibilidade de viver com dignidade sendo quem ela é.
Setembro - Bartolina Sisa
Bartolina Sisa arte @mariarosa.art |
Nascida em 1753 na comunidade de Sullkawi del Ayllu, Bartolina Sisa, uma mulher indígena, cresceu sob a repressão do governo espanhol, que havia invadido o continente americano dois séculos antes.
Em 1781, um levante contra a opressão espanhola foi orquestrado, reunindo cerca de 40 mil pessoas. Os líderes dessa organização foram os indígenas aymaras Bartolina Sisa e Tupac Katari, que dividiram igualmente o comando do cerco à cidade de La Paz. Esse movimento marcou a história da Bolívia e das mulheres em todo o mundo. Em apenas cinco meses, o número de combatentes chegou a 80 mil. Na época, Bartolina Sisa, uma das comandantes, tinha apenas 25 anos.
Devido ao trabalho itinerante de seus pais, Bartolina vivenciou de perto a pobreza e a humilhação sofridas por seu povo, o que a levou a definir como objetivo de vida a defesa da emancipação das comunidades indígenas.
Katari e Tupac Amaru decidiram lutar pelo restabelecimento da Nação Andina. Como resultado de seus debates, planejaram uma guerra que recrutou mais de 150 mil indígenas entre os territórios do Peru e da Bolívia. Com o apoio de indígenas escravizados que também se rebelaram, conseguiram conquistar território e declarar aquela região como livre. Nesse momento, Bartolina assumiu parte do comando das fileiras indígenas.
Em 13 de março de 1781, Bartolina e Katari iniciaram o cerco a La Paz, cidade fundada em 20 de outubro de 1548 e conhecida por ser a capital mais alta do mundo, a 3.600 metros de altitude. Após dois meses de cerco, as tropas inimigas enviaram 400 soldados para capturar Bartolina, mas foram derrotados por 50 homens e mulheres sob seu comando.
No entanto, em 29 de junho, o exército indígena sofreu duras perdas devido a boatos de que a revolta havia sido derrotada, o que enfraqueceu o cerco a La Paz e favoreceu as autoridades coloniais. Estas ofereceram uma recompensa aos rebeldes que entregassem seus comandantes. Três dias depois, Bartolina foi surpreendida e traída por seus próprios acompanhantes, que a entregaram aos espanhóis como prisioneira de guerra.
Bartolina permaneceu presa por mais de um ano. Em 5 de setembro de 1782, ela e a combatente aymara Gregoria Apaza foram condenadas à morte. Ambas foram torturadas e humilhadas, e partes de seus corpos foram levadas a locais simbólicos de resistência indígena para exibição pública.
No levante de 1780, muitas mulheres se destacaram como combatentes e líderes, ganhando reconhecimento por sua bravura. Bartolina Sisa foi uma dessas mulheres, parte de um grupo de guerreiras, trabalhadoras e líderes que, conforme a filosofia aymara, atuavam em igualdade com os homens.
Em homenagem a Bartolina Sisa e a todas as mulheres que resistiram à dominação e ao etnocídio espanhol, o dia 5 de setembro, data de sua morte, foi instituído como o Dia Internacional da Mulher Indígena.
Outubro - Laudelina
Laudelina arte @mariarosa.art |
Laudelina de Campos Mello nasceu na cidade mineira de Poços de Caldas em 12 de outubro de 1904, menos de 20 anos após a abolição da escravatura no país, em 1888. Ela conheceu seus avós e tios que foram escravizados. Seus pais, nascidos após a Lei do Ventre Livre, eram considerados "ingênuos", uma categoria distinta das pessoas livres. Laudelina começou a trabalhar aos sete anos de idade, abandonou a escola para cuidar dos irmãos enquanto a mãe trabalhava, e aos 16 anos passou a atuar em organizações sociais do movimento negro. A memória da escravidão e da pós-emancipação sempre esteve presente em sua vida.
Ainda em Poços de Caldas, Laudelina foi fundadora e mais tarde presidente do Clube 13 de Maio, que reunia a juventude negra da cidade. Já morando em São Paulo e casada com Geremias Henrique Campos Mello, sua trajetória ganhou contornos políticos na década de 1930, quando se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e militou pela Frente Negra Brasileira (FNB), entidade do movimento negro que também seria reconhecida como partido.
Por iniciativa de Laudelina, o Brasil viu nascer o movimento sindical na cidade de Santos em 1936, com a criação da primeira associação de trabalhadores domésticos do Brasil, em busca de melhores condições de trabalho para as empregadas domésticas. "A situação da empregada doméstica era muito ruim. A maioria daquelas antigas trabalharam 23 anos e morriam na rua pedindo esmola. Lá em Santos, a gente andou cuidando, tratou delas até a morte. Era um resíduo da escravidão, porque era tudo descendente de escravo", disse ela em entrevista à educadora Elisabete Pinto, publicada em sua dissertação de mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1946), Laudelina se alistou para trabalhar como auxiliar de guerra no país. "Hitler foi o maior carrasco que existia naquela época. Dizia no Livro Azul que ele eliminaria todas as raças que não fossem arianas, principalmente a raça negra seria eliminada. Então aquilo me levou, me trouxe uma revolta dentro de mim. Então resolvi me alistar para servir a pátria", explicou Laudelina a Elisabete Pinto.
Ela continuou a atuar como trabalhadora doméstica até meados dos anos 1950, quando morava em Campinas (SP) e passou a ganhar dinheiro com uma pensão que montou e com salgados que vendia em campos de futebol. A Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas voltou a funcionar com o fim da ditadura varguista em 1946, mas a trajetória de perseguições não havia acabado. Com o golpe militar de 1964, a associação precisou se abrigar no partido UDN (União Democrática Nacional) para não fechar as portas.
Doente, Laudelina afastou-se de sua entidade no fim dos anos 1960, retornando somente no final da ditadura, a pedido de amigas e companheiras. Em 1988, com a promulgação da nova Constituição, a associação finalmente se tornou um sindicato. Laudelina morreu em 1991, aos 86 anos de idade, em Campinas. Seu legado foi resgatado com a fundação da ONG Casa Laudelina de Campos Mello em 1989.
"A trajetória de Laudelina foi fundamental para a organização da categoria na busca de direitos. Laudelina também levantou, através de sua atuação sindical, bandeiras contra o preconceito racial e contra a discriminação das mulheres", afirma a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas.
Novembro - Chiquinha gonzaga
Chiquinha Gonzaga arte @mariarosa.art |
Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chiquinha Gonzaga, nasceu no Rio de Janeiro em 17 de outubro de 1847. Filha de José Basileu Alves Gonzaga, primeiro-tenente de uma família ilustre do Império, e Rosa Maria Neves Lima, uma mulher mestiça e filha de uma escravizada, Chiquinha foi educada como uma nobre e preparada para se tornar uma dama da corte. Recebeu instrução em português, cálculo, francês e religião com o Cônego Trindade, amigo da família. Desde criança, demonstrou interesse pela música e foi aluna do Maestro Lobo. Aos 11 anos, estreou como compositora com a cantiga de Natal intitulada 'Canção dos Pastores'. Tornou-se uma musicista talentosa, contribuindo significativamente para a gênese da música brasileira.
Aos 16 anos, foi obrigada a se casar e, aos 21, já era mãe de três filhos: João Gualberto, Maria do Patrocínio e Hilário. O casamento, porém, não durou, e Chiquinha decidiu se separar, em parte devido à vida difícil que levava enquanto seu marido servia na Guerra do Paraguai (1861-70). A separação foi mal vista pela família, e ela teve que dividir a criação dos filhos com os parentes. Mais tarde, casou-se novamente com João Batista de Carvalho, com quem teve a filha Alice, mas essa união também terminou em separação.
Chiquinha dedicou-se inteiramente à música e à militância abolicionista e republicana, desafiando os padrões sociais de sua época. Mulher negra, embranquecida pela história e marginalizada de seu lugar de fala, enfrentou os preconceitos de uma sociedade patriarcal e escravista para se afirmar como pianista, compositora, regente e, por fim, líder de classe na defesa dos direitos autorais. Sua obra inclui cerca de trezentas composições, além de partituras para dezenas de peças teatrais. Pioneira em várias áreas, Chiquinha foi a primeira mulher a compor para o teatro nacional e autora da primeira marchinha de carnaval, 'Ó Abre Alas'.
Chiquinha pagou caro por sua liberdade, mas nunca se intimidou. Ela expressou todo o sofrimento que viveu ao deixar escrito em seu testamento o epitáfio para sua lápide: 'Sofri e chorei'. Chiquinha Gonzaga faleceu no Rio de Janeiro, em 28 de fevereiro de 1935. Pioneira em sua luta pelas liberdades no Brasil, abriu alas para todas e todos, deixando um legado de coragem e resistência.
Dezembro - Laura Bridgman
Laura Bridgman arte @mariarosa.art |
Laura Dewey Bridgman nasceu em 21 de dezembro de 1829, em Hanover, New Hampshire, EUA, filha de trabalhadores da Nova Inglaterra. Ela é reconhecida como a primeira criança surda-cega americana a receber uma educação significativa, aprendendo a se comunicar com outras pessoas por meio da linguagem, cinquenta anos antes de Helen Keller.
Aos dois anos de idade, Laura e suas duas irmãs foram acometidas por uma doença que quase as matou. Laura sofreu graves consequências, perdendo os sentidos da audição, visão, olfato e paladar, restando-lhe apenas o tato. Após ser diagnosticada com febre escarlatina, ela passou cinco meses em uma sala escura, como era comum na época, e levou dois anos para retomar seu lugar natural na família.
Aos quatro anos, Laura começou a usar os pés para se locomover e as mãos para adquirir conhecimento. Gradualmente, ela começou a explorar seu quarto, depois toda a casa, tocando em tudo ao seu alcance. Apesar de suas limitações sensoriais, desenvolveu uma forma rudimentar de gestos que usava para se comunicar com a família.
Em 1837, Laura foi admitida na Instituição da Nova Inglaterra para a Educação de Cegos (posteriormente conhecida como Escola Perkins de Cegos) em Boston, Massachusetts, onde viveu pelo resto de sua vida. Uma doação feita em seu nome cobria as despesas de seu quarto e pensão.
Samuel Gridley Howe, um famoso reformador educacional, filantropo e, mais tarde, senador, registrou minuciosamente o progresso de Laura e publicou relatórios anuais para o conselho de curadores da Escola Perkins. Esses relatórios foram amplamente divulgados em periódicos e jornais educacionais nos Estados Unidos e na Europa. Em poucos anos, as pessoas lotavam o auditório da escola para ver Laura ler, escrever e se comunicar usando o alfabeto manual, além de comprar seu autógrafo ou amostras de sua costura ou tricô. Quando sua educação formal terminou, em 1850, Laura havia aprendido história, literatura, matemática e filosofia.
Na Escola Perkins, Laura teve uma aluna notável: Anne Sullivan, que mais tarde se tornou a educadora de Helen Keller. Meio século depois que Laura ingressou na Perkins, Anne Sullivan utilizou o conhecimento adquirido ali para ensinar Helen Keller, que em questão de semanas, aprendeu o que Laura levou meses para dominar por tentativa e erro.
Laura Bridgman faleceu em 24 de maio de 1889, em Boston, Massachusetts, aos cinquenta e nove anos. Embora se possa argumentar que tanto Laura quanto Helen foram exploradas para ganhos profissionais ou políticos, o fato é que suas vidas pessoais foram enriquecidas, independentemente dos motivos de seus promotores. Sem Laura Bridgman, não haveria a Helen Keller que conhecemos hoje.
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Referencias de pesquisa:
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GOMES JUNIOR, Emilson; SCHUMAHER, Schuma. Texto adaptado do verbete contido no Dicionário Mulheres do Brasil e do Mulheres Negras do Brasil.
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